sexta-feira, 6 de março de 2015

Apenas 1,6% da população de Campolide é a favor da alteração da Calçada Portuguesa por outro pavimento

Apesar de ser favorável a que os autarcas auscultem as suas populações sempre que possível, não posso concordar de forma alguma, com processos populistas, à margem da Lei e que  apenas têm como finalidade dar cobertura a decisões de quem não tem coragem de as assumir, apesar de nas últimas eleições autárquicas ter obtido uma confortável maioria, que só por si legitimaria as suas decisões. Assim subscrevi hoje a queixa que o Fórum Cidadania LX, enviou ao Tribunal Constitucional e à Provedoria de Justiça, sobre uma pseudo consulta popular/referendo, que a Junta de Freguesia de Campolide realizou nos 2 últimos dias sobre a calçada portuguesa na Freguesia.

Para além das questões legais, referidas na queixa - cumprimento ou não das regras do referendo local, fiscalização por parte do Tribunal Constitucional sobre a legalidade e isenção das questões e a não deliberação da Assembleia de Freguesia - há a considerar mais uma série de questões legais e de democracia.

A primeira de todas é se quando nem alguns autarcas da Freguesia tinham conhecimento desta consulta, quem é que realmente sabia da sua realização? Foi a população de Campolide, toda, préviamente e devidamente informada do que estava a ser colocado à votação, em que dias, horário e local onde decorreria?

Por outro lado, com que base legal é que a Junta de Freguesia se propõe alterar a totalidade ou partes do piso dos passeios da Freguesia? Com a aprovação da Lei 56/2012, que passou para a alçada das Freguesias várias competências que até há pouco tempo pertenciam exclusivamente à Câmara Municipal, sobre os passeios apenas é referido, no seu artigo 12º, alínea c) "Manter e conservar pavimentos pedonais". Esta cláusula é extremamente clara e precisa e não deixa margem para dúvidas, que a Junta de Freguesia nesta matéria, apenas tem competência para a manutenção e conservação.

O Regime Jurídico do Referendo Local é também muito claro e preciso nas regras que impõe para a realização de um referendo, desde logo quanto às perguntas colocadas a escurtínio, que devem ser "formuladas com objectividade, clareza e precisão e para respostas de sim ou não, sem sugerirem directa ou indirectamente o sentido das respostas" e que as mesmas "não podem ser precedidas de quaisquer considerandos, preâmbulos ou notas explicativas". Mais "A deliberação sobre a realização do referendo compete, (...) à assembleia de freguesia".

Nada disto se verificou. A questão é formulada em alternativa, com uma introdução e adjectivação, que visa influenciar a resposta. E pelo que se sabe a Assembleia de Freguesia não sequer foi consultada. Tudo ilegalidades.

A este respeito, segundo o Observador, o boletim de voto na introdução, refere que a existência de um "protocolo de delegação de competências em que a Câmara Municipal de Lisboa delega na Junta de Freguesia de Campolide a competência de recuperação da pavimentação de algumas vias de trânsito pedonal da Freguesia de Campolide". Que protocolo é este? Que seja do conhecimento público, não me parece que tenha sido celebrado no actual mandato, protocolo entre a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia, nesta matéria. E se assim for, é grave, por não corresponder à verdade, o texto apresentado no boletim de voto. 

Por muito que o Sr. Presidente da Junta de Freguesia de Campolide, queira chamar outra coisa ao que se passou em Campolide, aquilo que tentou fazer foi um referendo, acto que tem as suas regras bem definidas na Lei, e que o Sr. Presidente pura e simplesmente ignorou, promovendo uma auscultação popular como muito bem entendeu, sem regras, tendenciosa e de forma populista e demagógica, que teve como únicos e exclusivos fins, validar uma proposta para a qual não teve a coragem politica de a assumir e a de aparecer na comunicação social.

Diga-se em abono da verdade, que esta é já 2ª vez que tal acontece em Campolide, com este Presidente.

Mas quando em qualquer lugar, o resultado de um referendo, que tem uma taxa da abstenção superior a 97%*, seria considerado não vinculativo, o  Sr. Presidente da Junta de Freguesia, ainda tem o descaramento de afirmar que tal se deve ao "facto de o tema não interessar à maioria dos residentes da freguesia", mas que mesmo assim a alteração vai avançar, pois para si o resultado é vinculativo. Ou seja, apesar da fraquíssima participação, o Sr Presidente da Junta sente-se legitimado a ser mais um a contribuir para que lentamente se vá destruindo e acabando com o que há de mais característico de Lisboa, e que tão elogiado é, por esse mundo fora.

Mas se quisermos ir pelo mesmo discurso demagógico, populista e tendencioso do Sr. Presidente da Junta, que ainda hoje de manhã referia no site da Junta de Freguesia, que a abstenção tinha sido de 0%, podemos dizer que apenas 1,6% da população da Freguesia, quer uma alteração ao piso dos passeios, em vez da manutenção da "Calçada, tradicional, à semelhança do que já existe". Ou seja, o Sr. Presidente da Junta vai desrespeitar a opinião dos restantes 98,4%.

Mas o cúmulo deste processo todo é que em parte alguma o Sr. Presidente de Junta, diz quais são as ruas da Freguesia em que pretende alterar o tipo de piso, nem sequer em que é que consiste a alteração. É que é preciso não esquecer, que não houve a coragem de informar a população em que é que consiste a alteração. Será por betão? Por pedra de Lioz? Por alcatrão?

A alternativa proposta à Calçada Portuguesa foi "Outro tipo de pavimento contínuo, mais moderno e seguro", ou seja nenhuma. Porque se a alternativa, é o piso recentemente colocado pela CML, por exemplo na Rua da Vitória, estamos mais do que conversados no que respeita a segurança e conservação, se atendermos ao estado que apresenta, pouco mais de um ano depois de ter sido colocado.

Continuamos portanto a colocar a questão da forma errada e a não querer enfrentar o problema. A questão não deveria ser entre segurança e tradição, mas sim entre uma eficaz e correcta manutenção ou a substituição por outros materiais. E a calçada portuguesa apresenta já hoje em vários locais da cidade, alternativas seguras à simples calçada branca de vidraço. A mistura do vidraço com granito, é uma solução que resolve o problema do escorregar provocado pelo polimento do vidraço, nas ruas mais inclinadas (por exemplo na R. José António Serrano ou na esquina da R. de S. Bento com a Av. Álvares Cabral).



Por fim imagine-se o que seria de Lisboa, se cada um dos 24 Presidentes de Junta, decidisse alterar à sua bela maneira a Calçada Portuguesa, por outros tipos de pisos. Teríamos uma manta de retalhos e perder-se-ia a unidade e um dos elementos característicos, se não mesmo o mais característico de Lisboa.

* Nas últimas eleições para o Parlamento Europeu, realizadas em Maio de 2014, a Freguesia de Campolide tinha 13.545 inscritos nos cadernos eleitorais. Segundo dados da Junta de Freguesia, votaram apenas cerca de 350 pessoas, das quais 214 a favor da alteração, 136 contra e 1 nulo.

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